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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

HOJE PENSEI EM HILDA


Que eu te devolva a fome do meu primeiro grito 

No folder de seu show "Fôlego", Filipe Catto incluiu um poema de Hilda Hilst, 

Isso de mim que anseia despedida
(Para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
É tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo. Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.
Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode isso?
Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro.
(Canto III, Cantares do Sem Nome e de Partidas)

        Isto me fez pensar nela. Escritora, poetisa, dramaturga, autora de muitas obras, entre elas uma trilogia erótica: O caderno Rosa de Lori Lamby, Contos grotescos/ Textos de escárnio e Cartas de um sedutor; a novela Rútilo Nada e o volume de poemas Cantares do Sem Nome e de Partidas. O texto denso e metafórico Estar Sendo/ Ter Sido e Do amor, obra que reúniu 77 poemas, os quais dedicou a seu pai, o poeta Apolônio de Almeida Prado Hilst.

Hilda dedicava seu tempo a ler, principalmente obras sobre física, na sua incansável busca de uma possível imortalidade do ser humano. Sem nunca ter tido medo de ser considerada “louca”, Hilda se deu ao direito de dizer o que bem entendia.

Hilda falava de seus personagens como se fossem reais: Vittorio, personagem da obra Estar Sendo/ Ter Sido, era um ser que “pensa desesperadamente”, com vida própria e revelou que após ter lido o livro pela segunda vez, descobriu fatos não percebidos antes: o seu cinismo em pagar Alessandro, um filho bastardo, para ficar com sua própria mulher. Essa atitude de Vittorio, para Hilda, nada mais era o fato de Vittorio querer “se pensar”: pensar não é agir, mas quem pensa, faz uma ação tripla. É um grande esforço. Hilda encontrou em James Ward a frase que caberia bem com o personagem de Vittorio: “Denken ist schwer” (pensar é difícil), fez uma relação do pensar com agradecer, “denken” (pensar) e “danken” (agradecer), similaridade notado por ela entre o alemão e inglês. Uma forma pensante de agradecer.

A obra Estar Sendo/ Ter sido, altamente alegórica nas cores usadas pela autora: o amarelo e as cores que derivam dele: o amarelo da cor da pele, das pessoas mortas, das máscaras que os atores do teatro de Pequim usam para simbolizar o cinismo e a dissimulação. Vittorio é muito dissimulado, completou Hilda.
Hilda revelou que não lembrava como iniciava suas obras. Escrevia apenas, e os personagens surgiam, havia então um interesse por eles. Havia espanto e descoberta.

O que há em comum entre os personagens e Hilda? Não se declaram totalmente. Falam nos grandes silêncios. 

Vittorio é um suicida em potencial. Isso é pensado o tempo todo, porém não é visível para o leitor comum. É o pensar e a necessidade de agir. Em dado momento ele se revela como poeta e daí surge outra figura: Pedro Cyr. Hilda diz “Ele tem um poema esquisito, uma coisa diferente, veio de repente esse cara!” 
Os personagens de Hilda foram muito presentes em sua na vida. Convivendo ou aparecendo de repente. Vittorio, por exemplo, Hilda gostou de conhecê-lo, o seu deboche, seu cinismo, do tipo que ri de si mesmo, dizia ela.

Hilda, personagem de sua própria vida, sonhou transformar sua casa numa fundação de estudos psíquicos de imortalidade, após ter lido o livro de Sônia Rinaldi Transcomunicação Instrumental, onde a autora mostra mensagens recebidas por fax de pessoas de outro planeta. Esse lugar seria Marduk, que quer dizer sol. Hilda se entusiasmou com a possibilidade da comunicação via telefone, antes realizadas pelas ondas do rádio, com as pessoas que estavam lá em Marduk: Júlio Verne, Einstein e Paracelso. A própria Hilda foi pioneira, ao gravar vozes vindas do além.

Cercada por muitas árvores, livros e seus sessenta cachorros, Hilda teve uma vida ímpar: sua surpreendente trajetória filosófica, onde seus personagens tinham vida própria, sua linguagem visceral e instigante em contraste com seu senso de humor e simplicidade ao revelar-se telespectadora assídua da novela das seis.

Suas obras, definidas por Hilda como “umasómúltiplamatéria” foram escritas compulsivamente: “você não sabe dizer exatamente por quê. Mas tem necessidade de comunicar aquilo para o outro, de alguma maneira. Quem sabe se é o que eu também digo, escrevendo: pertencer, caber – fazer parte de.” 

Hilda imortal partiu em 2004 numa nave. 

Nave Ave Moinho 
E tudo mais serei 
Para que seja leve 
Meu passo 
Em vosso caminho 
Hilda.

Adoro Hilda e,
Adoração de
Filipe Catto.


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