Total de visualizações de página

terça-feira, 31 de julho de 2012

O amor...



Para Freud o primeiro objeto de amor de todo ser humano é a mãe. Nas palavras de Lacan, é o seio da mãe que “fura a boca do bebê e inaugura sua falta”. Portanto, a partir deste amor primitivo é que se estabelece a constante repetição do ser humano em reencontrar este objeto, que será perdido pelos descaminhos da memória. 


E, isto ocorrerá de diferentes formas, incessantemente e de maneira muito particular para cada um.


No início da vida, geralmente a função materna, cuidar e suprir as necessidades do bebê, é exercida pela mãe. Por este motivo, não há separação entre mãe-bebê, pois acontece uma intensa identificação entre os dois. O bebê ocupa o lugar de falo imaginário do outro, e neste contexto o ego do bebê inicia sua formação.



Algum tempo depois, a criança percebe sua própria imagem refletida no espelho: um corpo inteiro, unificado, erotizado e ainda fortemente identificado com o outro. Esta experiência, o Estádio do Espelho (Lacan), estrutura a criança como sujeito, porém ainda sob o domínio do imaginário, pois sua estruturação psíquica somente se dará com o advento do simbólico, ou seja, com entrada do terceiro, o pai que permite a ruptura da alienação da criança ao desejo do outro (mãe). Deste modo que um vazio, a falta vai se instaurar.

O amor é a substituição de um objeto perdido e, o nome-do-pai instaura um significante, a falta representada em partes do corpo, porém não orgânico.




O amor que se caracteriza no plano imaginário é narcísico, pois o outro será o espelho que lhe reflete o amor investido. Na escolha do objeto amoroso, o sujeito elege um outro, segundo imagem do próprio eu. O sujeito não ama um outro, mas ama-se através dele, ou seja, o outro é o que ele é, ou que ele foi, ou o que ele quer ser ou ainda, que foi uma parte dele mesmo.



Já o amor entre analista e o sujeito analisado, o amor de transferência, é o amor da ordem das representações, ou seja, o amor do inconsciente (repetição do amor arcaico) investido no analista, substituto transitório do objeto perdido (falta) e, que pode ser substituído novamente e novamente por outros objetos de amor.


Enfim, os muitos amores advêm de um único, perdido, esquecido, recalcado...

terça-feira, 24 de julho de 2012

Coisas guardadas...




Rubem Alves escreveu que ama Gaston Bachelard pela sua erudição, simplicidade e poesia:
"A poética do espaço: esse é o título que deu a um dos seus livros. Poética do espaço? O espaço fica poético quando um homem o modela. Quem constrói uma casa faz um poema. Por isso enchemos as casas de plantas, de quadros, de música, de livros. E que dizer da poética das gavetas, dos cofres e armários? Ah! Quanta poesia as gavetas podem conter, especialmente aquelas que são trancadas à chave! "


Isto me fez pensar na poética de cada um: a maneira de cada um de guardar suas histórias, segredos, medos, traumas...Trancados à sete chaves! O divã também fica poético quando as palavras saem pouco a pouco: são as coisas, os fantasmas saindo em forma de sussurros, gritos, frases entrecortadas, poemas do inconsciente!
A poesia de cada um é liberada via transferência.


Assim como "o espaço fica poético quando um homem o modela."( Rubem Alves), o bem dizer fica poético quando uma escuta o libera!

domingo, 22 de julho de 2012

REHAB (eterna Amy)


Eles tentaram me mandar para a reabilitação, mas eu disse não, não, não
Sim, eu tenho estado mal mas quando eu melhorar você irá ver, ver, ver
Eu não tenho tempo e se meu pai acha que estou bem
Ele me fará ir para a reabilitação, mas eu não irei, irei, irei

Eu prefiro ficar em casa com Ray
Eu não tenho setenta dias
Porque não há nada
Nada que você possa me ensinar
Que eu não possa aprender com o Sr. Hathaway

Eu não aprendi muito nas aulas
mas sei que não aprenderei num trago de bebida

Eles tentaram me mandar para a reabilitação, mas eu disse ? não, não, não
Sim, eu tenho estado mal mas quando eu melhorar você irá ver, ver, ver
Eu não tenho tempo e se meu pai acha que estou bem
Ele me fará ir para a reabilitação, mas eu não irei, irei, irei

Um homem me disse : - por que você acha que está aqui?
Eu disse que não fazia idéia
Eu vou, vou perder meu amor
Então eu sempre tenho uma bebida por perto
Ele me disse: - eu acho que você está deprimida,
Me dê um beijo, baby, e vá dormir.

Eles tentaram me mandar para a reabilitação, mas eu disse ? não, não, não
Sim, eu tenho estado mal mas quando eu melhorar você irá ver, ver, ver

Eu não quero beber nunca mais
Eu só ooh eu só preciso de um amigo
Eu não irei perder dez semanas
Com todos achando que estou de recuperação.

Não é só meu orgulho
É só que minhas lágrimas secaram.

Eles tentaram me mandar para a reabilitação, mas eu disse ? não, não, não'
Sim, eu tenho estado mal mas quando eu melhorar você irá ver, ver, ver.
Eu não tenho tempo e se meu pai acha que estou bem
Ele me fará ir para a reabilitação, mas eu não irei, irei, irei.

Cuidado com o crocodilo!


Le crocodile à roulettes -  engole as crianças que infringem as regras.


Uma estória infantil que faz uma alusão à castração:

"Uma garotinha travessa pergunta incansavelmente à mãe se pode correr pelos mais inusitados lugares: desde o alto das montanhas até mesmo dentro cabeça da mãe!Esta diz sempre que sim, com exceção à saída da escola! _Por quê? Pergunta a irrequieta criança. _Por causa do "crocodile à roulettes", responde a mãe, pois ele engole crianças, se a criança corre na saída da escola vai direto à boca do crocodilo, que a devora, enfatiza a mãe!"

Esta situação ficcional marca uma interdição, a criança pode fazer muitas coisas, mas existe um limite, senão algo ruim pode acontecer: se a criança desobedece é engolido pelo crocodilo! Os contos de fadas marcaram fortemente o imaginário (também simbolicamente) este efeito devastador da desobediência infantil, Chapeuzinho Vermelho é um exemplo universal...

Chapeuzinho Vermelho prestes a ser devorada
por não cumprir as recomendações da mãe.


Pode-se, também, fazer uma analogia deste crocodilo devorador ao que Lacan descreveu como sendo o desejo da mãe:
Se a barra da função paterna (falo) não socorre a criança, ela é devorada pelo desejo da mãe. Lacan no Seminário 17, resume:
"O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja indiferente. (...) Um grande crocodilo em cuja boca vocês estão _ a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar sua bocarra. O desejo da mãe é isso. (...) Há um rolo, de pedra, é claro, que lá está em potência, no nível da bocarra, e isso retém, isso emperra. É o que se chama falo. É o rolo que os põe a salvo se, de repente, aquilo se fecha".


A mãe que"devora" e ao mesmo tempo ratifica
o nome-do-pai que a impede de devorar.


Assim, quando a mãe da estória limita a criança, ela está sustentando a posição deste "rolo" que impede que a bocarra do crocodilo se feche e engula a criança!
Não é possível que as crianças façam tudo que querem, os limites devem ser colocados, assim como mecanismos para as regras serem respeitadas. Nesta estória "Le crocodile à roulettes", a mãe é fundamental para que isto ocorra, pois é ela que ratifica o nome-do-pai, o terceiro que barra, inclusive ela própria, a mãe de "devorar" a criança.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

É melhor ser alegre que ser triste, mas às vezes a tristeza é a melhor coisa que existe...





"Tem altos e baixos? Então, você é bipolar. É uma doença, mas não é grave, é como dor crônica, há pilulas para isto!” É o que se ouve com muita frequência de médicos e da população em geral. É senso comum. Nas novelas, os personagens são bipolares. É a nova tendência. Nova moda: medicar a tristeza. Consumir antidepressivos, pois a euforia é obrigatória! Pilulas da felicidade!

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe



No entanto demonstrou-se, cientificamente, que ter momentos de tristeza é perfeitamente normal, 95% das pessoas têm a cada ano uma média de 6 baixas do humor ou a possibilidade de tê-la, os 5% restantes têm efetivamente possibilidade! 


Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não



O luto foi definido como o espaço paradigmático por excelência da vivência
e da elaboração de situações de perda e de frustração...

Mas são pessoas normais? Os estados de humor depressivos existem em todos. Mas e o diagnóstico clínico de depressão? É uma doença do humano. Mas como curar sem  fazer desaparecer o sujeito? A caça mundial à depressão implica também numa investigação ao subsolo de cada um e nas emoções mais íntimas. Neste ponto, a Psicanálise se volta para a compreensão dos significados subjetivos do sujeito às situações de perdas difíceis de serem elaboradas. Assim, o luto foi definido como o espaço paradigmático por excelência da vivência e da elaboração de situações de perda e de frustração. O sujeito necessita, muitas vezes, de um recolhimento psíquico para a elaboração de uma frustração e a manifestação de afetos depressivos podem ser compreendidos como necessários. A dificuldade em elaborar perdas e vivenciar um luto está basicamente ligada à melancolia e à depressão. Esta é a contribuição de Freud.


O sujeito necessita, muitas vezes, de um recolhimento psíquico para a elaboração de uma frustração
e a manifestação de afetos depressivos podem ser compreendidos como necessários. A arte pode ser um
espaço para a manifestação destes afetos (grifo meu)

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

*
Texto de Jacques-Alain-Miller "Etre bipolaire, c'est tendance" e Vinícius de Moraes "Samba da benção".